domingo, 30 de janeiro de 2011

O ABORTO

Quando o meu pai imigrou para o Brasil, aos 21 anos de idade, deixou em sua terra três filhos, de mulheres diferentes. Descobri, sem querer, este fato no dia dos meus 15 anos (presentão, hein?) e esta revelação me traumatizou pro resto da vida. Não coube, não cabe e jamais caberá na minha cabeça como um homem pode fazer filhos e seguir em frente, sem eles, como se nada tivesse acontecido. Sem lhes deixar nem a dignidade de um sobrenome. As pobres moças iludidas, talvez pela tenra idade, pelo igualmente jovem, cumpriram sua parte. Criaram como puderam seus filhos, e seus filhos criaram filhos e na parte que lhes coube, a humanidade continua a caminhar. E assim, de uma maneira muito torta, se nasci, devo minha vida à atitude desprezível de meu pai.
Sempre que ouço a discussão acalorada, em tempos de eleições, nos púlpitos e palanques, sobre o aborto, não consigo deixar de relacioná-la a este episódio da minha história. Pode parecer um discurso feminista, mas nunca vi o meu pai sendo apedrejado moralmente pela sociedade, pelos abortos que cometeu com seus três filhos. Penso isso desde o tempo em que nem sabia o que queria dizer a palavra aborto. Só sabia que matar, ou abandonar à própria sorte, ou não desejar a vida do próprio filho, pra mim é tudo a mesma coisa. Como poderia ele julgar as mães, caso os abortassem, se ele o fizera bem antes delas? Se todos que puderam talvez obriga-lo a assumir os seus atos foram coniventes e igualmente assassinos?
Quando as minhas irmãs (dele com a minha mãe) se tornaram mocinhas, ele tinha para com elas, um rigor que pra mim era normal, antes dos meus 15 anos, mas que depois percebi ser simplesmente medo que o mesmo destino as escolhesse, para seu castigo. Nunca lhe perguntei se teve remorso. Nunca lhe perguntei o significado de vários termos, como o próprio aborto, pecado, abandono, covardia, punição, moral e tantos outros questionamentos que me fiz, ao longo da vida. Sinceramente não sei se perdi grandes ensinamentos paternos. Talvez, se tivesse aprendido com ele, teria hoje a sua perspectiva e não a minha. Com ele aprendi a tomar muito cuidado com quem escolhesse como parceiro, porque ali estaria o possível pai de meu filho. De resto, o mundo foi melhor pai pra mim, porque foi múltiplo e me ofereceu a oportunidade de entender as coisas de todos os ângulos, inclusive as circunstâncias de outros sexos.

No filme “O tiro que saiu pela culatra”, um dos personagens diz a seguinte frase, com a qual concordo plenamente: “Para ser médico, ou engenheiro, ou qualquer outra coisa, é preciso estudar muito, se preparar durante anos, mas para ser pai , qualquer babaca está preparado.”

Todo mundo se acha capacitado para opinar, quando perguntado o que acha disso ou daquilo. Não sei se sou contra ou a favor do aborto, nunca nem pensei na possibilidade, o pai de minha filha assumindo-a ou não, pela minha história de vida. Mas é a minha história.
Se é pecado ou não, também não sei, porque a minha ideia de pecado passa bem longe do que se apregoa por aí. Com certeza não tenho o da presunção do julgamento terreno.
Se é proibido? Acho que os parlamentares, juízes e a própria sociedade precisam antes decidir, de uma vez por todas, a qual espécie pertencemos. Se o negar-se a perpetuar a sua própria espécie, seja através da pílula, camisinha, aborto ou celibato é exclusividade da raça humana, estabelecer  que somente as fêmeas tenham a incumbência de preservar a vida de suas crias é coisa de outros animais.

Uma boa alternativa seria a volta da Roda. Ninguém precisa morrer.

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