sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A BORBOLETA

As lindas asas azuis de corpo cansado,
finalmente na parede lisa e branca.
Ah! Descanso! Oh! Cansaço!

Grande aventura foi o voar! Sim, grande aventura!

O que fazia mesmo enquanto voava? Não se lembra.
Ah! Descanso do voar! Oh! Cansaço do voar!

A amiga cigarra, a cantar, cantar:
- Después de um año bajo la tierra!
Morreu a amiga de tanto cantar.

Ah! Se pudesse, outra vez lagarta!
Comer, comer! Brincar de comer.
Há quanto tempo não come..
Deslizar por entre as folhas e depois comê-las.
E deslizar, e comer, e deslizar, e comer.
Armazenar, armazenar.

Grande aventura foi o voar! Sim, grande aventura!

O que fazia mesmo enquanto comia? Não se lembra
Ah! Descanso do comer! Oh! Cansaço do comer!

A amiga cigarra no chão. As formigas a comê-la.
Comer! Comer!
Armazenar. Armazenar.


Ah! Se pudesse, outra vez casulo!
Silêncio, silêncio. Dormir em silêncio.
Dormir em si mesma, sobre si mesma, dentro de si.
Há quanto tempo não dorme.
E dormir, e comer-se, e dormir, e comer-se.
Poupar-se. Poupar-se.

Grande aventura foi o voar! Sim, grande aventura!

O que fazia mesmo enquanto dormia? Não se lembra
Ah! Descanso do dormir! Oh! Cansaço do dormir!

A amiga cigarra, que já é formiga.
Fragmentos de cantos comidos.
E tudo é transmutar.


Ah! Se pudesse, outra vez o vôo!
O gozo consciente do voar!
Sem fome, sono, chão, amiga, destino.
Sem visões de formigas de asas azuis.
Nunca mais o encolher-se
Nunca mais o desdobrar-se


Grande aventura foi o voar! Sim, grande aventura!

O que fazia mesmo enquanto tentava? Não se lembra
Ah! Descanso do tentar! Oh! Cansaço do tentar!


02/11/11

ANTIGAMENTE, QUANDO EU ERA JOVEM

Antigamente, quando eu era jovem, achava que podia comer a vida,
 feito sobremesa.
Que ela estaria sobre a mesa, esperando para após o jantar.
Não importava comer o nada, ela estava lá, para dali a pouco.

Quando finalmente cansei de inapetências quis o doce.
E ele era de fruta estragada.

Antigamente, quando eu era jovem, sonhava que o tempo não existia.
Que era brincadeira de mau gosto das velhas bruxas.
Desdenhava das máscaras enrugadas, mostrando-lhes minha força.
 Sem medo do escuro do meu quarto.

Quando finalmente, acesa a luz, porque se fez noite lá fora,
 o escuro veio para dentro.

Antigamente, quando eu era jovem, abdicava dos grandes prazeres,
na espera fantasiosa dos pequenos milagres.
Doava amores e humores a quem comigo dançasse
a dança dos desatentos.

Quando finalmente, pés cansados, ouviu-se a música,
zumbiu no ouvido o som do tempo. Desafinado.


04/09/11

O TRADUZIR-SE

Com que cores pintar essa tela, se há nela todas as cores e, todas elas, intensas e sobrepostas? Que borrão é este, que encobre paisagens e cubos, e esferas?

Como traduzir este ser que há e que nem a mim se revela?

Sem antenas, setas, trilhos, retas. E nada se completa.

Tudo, de início em início, se entrelaça a outros inícios de coisa alguma.

E tudo esfalfa, tudo sangra, tudo arde.
 E tudo foge, tudo escapa, para de novo um novo ser se pintar.
Este ser de movediças areias, de patagônicas geleiras a se derreterem.
Com que cores pintar instantes? Qual a cor da vertigem?

Que ser é este, múltiplo, ávido, desgovernado? Que olha por meus olhos e não me lega lembrança sólida de seqüência nenhuma?

Este ser que não me ensina a diferença entre estar feliz ou infeliz, que não me dá tempo de sentir nada por inteiro. Que tudo já foi e não vi. E nada me deixa.

Que ser é este que em mim rodopia, e se contorce em misteriosas danças? E vai ao alto e despenca vôos alucinados. E sorri, nem sei de quê, e se inebria. E fecha minhas pálpebras e aspira partículas inspiradas de sons dispersos no ar que é só dele. Que vivencia serenidades e no instante seguinte me encharca de angústia.

Que ser é este que em mim habita mas não me pertence?
Com que cores pintar essa tela, se há nela todas as cores, e nenhuma permanece mais que um segundo?


13/10/11

O VOLTAR

Saí da minha casa e fui morar na sua
e ela era tão fresca, e era tão bela!
que pena haver nela tantas portas
e nenhuma, nenhuma janela!

Nenhuma, nenhuma janela
que desse para o que sou
tantas portas, tantas portas abertas
nenhuma em mim se fechou.


Fui lá fora ver se via
o tempo de estar sozinha
do antes de haver outra casa
que me levou o chão da minha.

A velha angústia de sempre
me abraçou, enternecida
que saudade da minha janela
onde lamento, livre, a vida!


11/10/11

QUANDO O AMOR ACABA

Muito se fala de quem perde um grande amor. Ninguém fala de quem deixa de querer, sem deixar de amar.
De como é difícil se privar da companhia de quem se gosta, só porque o amor acaba.
De ter que sufocar um carinho verdadeiro, para não alimentar falsas esperanças e de ter que abaixar os olhos por não suportar a queixa no olhar do outro.
De ter que aprender a desamar para libertar o próprio coração. De esperar que o outro desista.

Muito se fala de ser abandonado, mas ninguém fala na dor de quem primeiro enxerga o fim. E conta cada minuto até que morra de velho este amor. Até que apodreça. Porque quem percebe primeiro sofre, sozinho, a dor de se descobrir desapaixonado.
Ninguém fala de quem nem tem o direito de sentir saudade dos bons momentos, porque o processo de libertação, se não houver fuga, exige maus tratos, intolerâncias, asperezas, silêncios propositais. Desprezo.

Muito se fala de quem sofre o desprezo do ser amado, mas ninguém fala de quem se viu obrigado a desprezar, porque parece condição imposta à toda separação que há de haver sempre um culpado.
Quem é abandonado não tem a responsabilidade com sua dor. Sofre, chora, esperneia, chantageia, tenta o suicídio, amaldiçoa. Depois odeia para esquecer. E nesse instante em que o amor vira ódio, é ele quem abandona quem verdadeiramente o amou.
E quando tudo finalmente acaba, mais sozinho se sente quem, lá atrás, já anteviu.

Muito se fala dos amores nascidos simultaneamente, das paixões à primeira vista. Quem dera haver também o desamor simultâneo. Quantas amizades sinceras seriam preservadas! Que se chegasse ao clímax mútuo da desapaixão. E numa despedida sincera, livres os dois.


Não falo de sentimento de posse, nem de rotinas entediantes, nem de fatores externos. Falo de sintonia. De tempos diferentes.
Falo do amor que acaba porque acaba, sem motivo nenhum, sem patifarias, sem traições.
Falo do sofrimento de quem nem pode se dar ao luxo de chorar sua perda e ainda tem de arcar com uma culpa que não lhe cabe.


04/09/11