domingo, 30 de janeiro de 2011

AMMORE ANNASCONNUTO

Um dia desses, enquanto trabalhava, ouvindo Ammore Annasconnuto, na voz de Celine Dion, entrou em minha sala uma colega de trabalho para discutirmos uma situação qualquer. Enquanto resolvíamos a questão ela fez o seguinte comentário:
- Nossa! Essa música me dá um sono!

De repente, um punhado de urgências tomou conta de mim. Uma urgência incontrolável de terminar logo o que a trouxera a minha sala, para não ter mais que sequer ouvir a sua voz. Uma urgência imperativa de escrever sobre as diferenças entre os seres humanos, do porquê uma música que faz tão bem a umas pessoas dá sono físico em outras. Uma urgência de acabar o expediente para ouvir as músicas que gosto sem ter que reparti-las com ouvidos profanos. Uma urgência de acabar de vez a minha própria existência compartilhada, à minha revelia, com sonolentos de Ammore Annasconnuto.

Às vezes penso que tenho sorte por encontrar patrões que entendem a minha necessidade de dar vida interior a uma de mim enquanto a outra lhes fornece o trabalho para o qual me remuneram. São inteligentes, graças a Deus. Nada como dar as ferramentas certas para cada trabalhador. Uma de mim, a que vive enquanto ouve música, libera a outra para as tarefas cotidianas. A outra, a que racionaliza, agradece à música, como a mãe agradece à babá que cuida de seu filho para que ela possa trabalhar despreocupada. A boa música me concentra , me põe atenta. Sono eu tenho quando a mente se exaure na tentativa de se manter boiando no raso das coisas.  

Às vezes penso que nasci azarada por não ser sonolenta, como a maioria dos assalariados. Quando me ponho a observar os de mente inerte me dá certa inveja. Por que só não me levantar cedo, cumprir jornadas enfadonhas, e dormir com as galinhas? Uma televisãozinha aqui, um forrozinho ali. Por que não só sacudir o corpo e o cérebro com os ai, ai, ais e os tá, tá, tás?  Por que não? Se isso basta a quem morrerá, de qualquer maneira, como eu morrerei um dia? Por que fui nascer da fornada dos que buscam outras freqüências? Por que o caminho até ao meu labirinto é tão sinuoso e nele só chegam, sem dor, as ondas sonoras esquiadoras?

Talvez sorte, talvez azar. Com o dom ou a maldição de perceber nuances.  A única certeza que tenho é a de pertencer à classe dos que perpetuam belezas.


30/12/10

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