domingo, 30 de janeiro de 2011

AS FOTOGRAFIAS

Dentre as várias manias que tenho duas se relacionam às fotografias: a primeira é a de recortar tudo o que não me interessa nelas. Minha irmã Neusa fica doida com isso, mas é compulsão mesmo. Quando vi, já recortei. Cheguei a guardar só o bolo, numa foto de aniversário (fazer o quê, se eu achei lindo o ângulo daquele bolo e o resto já constava de outras fotos?)
A segunda (e esta a Neusa também tem) é a de tentar captar o pensamento de cada um no momento em que a foto foi tirada. Pra isso temos que analisar todo o contexto, observar todos os detalhes. Nossos filhos riem quando pegamos imediatamente a lupa quando alguém vem nos mostrar uma foto qualquer. E nessa de decifrar o pensamento, viajamos ao fundo dos sentimentos do analisado. Montamos toda uma trajetória de vida para ele. Claro que, na maioria das vezes, é mero exercício da imaginação, pois fazemos isso inclusive com pessoas estranhas.
Uma coisa que me chama a atenção, particularmente, é o olhar das pessoas. Comecei essa mania analisando fotografias da minha mãe. Quando eu era jovem e a observava, já por volta dos seus cinqüenta anos, percebia no seu olhar uma amargura que eu não sabia de onde vinha, porque, ao vivo, ela era bem humorada (pelo menos bem mais que eu). Conforme fui amadurecendo, passei a relacionar esse olhar “amargurado” ao processo natural de envelhecimento. Inconscientemente, tomei profundo medo de, ao envelhecer, envelhecer também o meu olhar e perder aquele ar blasè, típico da juventude (de quem não tem muito do peso da vida tracionando a retina)
Com medo ou sem medo, infelizmente, o envelhecimento é caminho sem volta. E hoje, que reconheço o olhar da minha mãe, todas as vezes em que me olho no espelho, a interpretação já é um pouco diferente, à lupa. No lugar da amargura, percebo no padrão do olhar de quem já passou dos cinqüenta, também um misto de dureza (pelo aprendizado da sobrevivência) e emoção reprimida (justamente pela dureza adquirida). Há certos olhares que já são assim, mesmo que o analisado não esteja envelhecido no seu todo. Em alguns deles quase se percebe a premente necessidade de uma lágrima, que resgate o afrouxamento do constante estado de vigília ao qual a vida nos impõe.
 “Hai que endurecer...”, como diria o Che. E como a gente endurece! E como guardamos, dentro do olhar, toda a ternura que ainda existe e que só se mostra a quem tem manias e lupas!

                                               26/09/10

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