domingo, 30 de janeiro de 2011

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

Neusa era menina moleca, naquele tempo onde nem se conhecia calça comprida. Vestidinho de cintura eternamente descosturada. Joelhos ralados de tombos e arranhões. Cabelos mal cortados, lavados na chuva. Pés descalços, no pó e lama. E lá ia, de biblioquê na mão, no carrinho de rolimã, pegar rabeira de caminhão. Boneca não. – Não tem graça. – Brincava de manhã à noite com Carlito, seu irmão, e Osvaldo, primo em segundo grau, que veio especialmente de Portugal pra ser seu saco de pancadas: - E dá-lhe no cocorôto!
Mas nem sempre era só surra. Havia olhos e olhares. Os dela azuis como o céu. Os dele enamorados. – Primo, não! É quase irmão, não pode. – E os três, alheios ao mundo, faziam do seu, aventuras tamanhas, dessas que se contar ninguém acredita.
Um dia o tempo, esse mesmo que leva tudo, levou pra longe os dias de criança. E quem foi criança cresceu. E quem cresceu namorou, noivou e casou. Cada um com seu caminho, cada um com sua história. Vieram os filhos e os filhos dos filhos. E quem tinha história ficou sozinho, porque o tempo também leva as histórias. Ele divorciado, ela viúva.
E não é que um dia, desses, que a Vida resolve brincar de faz-de-conta, os dois primos se reencontraram? Os olhinhos azuis dela brilharam, camuflados nos óculos de grau, e os dele, empapuçados de tempo, cerveja e cigarro também marejaram?
Soube dos dois, há poucos meses, aposentados, viajando por este Brasil afora.

24/01/11

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