domingo, 30 de janeiro de 2011

QUANDO A CULPA É NOSSA

Tudo bem: você, quando come alguma coisa na rua, não sai por aí jogando a embalagem no chão. Quando toma água ou refrigerante no carro não joga nada pela janela. Ok, você faz a sua parte, certo? E aí você se irrita com quem faz isso. Realmente, há pessoas que nos irritam com atitudes de gente porca, imunda, que não deveria ter o direito de conviver com os outros seres humanos. É mesmo uma questão de higiene. E higiene não é questão de estética, é para prevenir doenças, oh! Porcalhões! Cascas de frutas podres nas ruas atraem moscas varejeiras que nos trazem sérias doenças. Não deveríamos estar expostos a doenças que já deveriam estar erradicadas, por causa de pessoas sem higiene. E, no entanto, estamos.
Não temos mais tempo para conivências. É preciso agir e agir rápido. Quando um estranho joga um entulho que entupirá um bueiro está colocando em risco não só a sua saúde como a nossa. E que atitude tomamos? Nenhuma. Falamos, falamos, mas ninguém alerta o estranho sobre seu ato falho. Pior é quando quem joga o entulho é nosso vizinho, ou nosso amigo. Como dizer-lhes o que já deveriam saber, sem o constrangimento de ter que dizer-lhes o óbvio? Se nós sabemos, porque eles não sabem? Porque não foram ensinados? Porque é o seu modo de demonstrar rebeldias contra o sistema? Porque dessa maneira se vingam de nós por algum motivo que só eles sabem?
Até quando viveremos sob a ditadura da maioria burra? Por que não é politicamente correto dizer aos outros o que devem fazer? Porque temos que respeitar a democracia, onde cada um tem o direito de emporcalhar a rua onde também moramos?
Não basta fazermos a nossa parte. É preciso cobrar na cara dura. Que tal sermos lembrados pela geração chata que resolveu por fim às porcarias?

30/01/11

A RESENHA

Avassaladora paixão entre a jovem filha de um pescador e um marinheiro, ambientada numa aldeia litorânea do sul da Itália, no ano de 1910. A princípio imaginamos ser a história da música Gesu Bambino, do Lucio Dalla, pois a própria música é cantada por um homem numa taberna, enquanto lá na praia ilustra a cena clássica da mocinha que se percebe abandonada pelo seu grande amor, e, parada, olhando o mar, mãos na barriga, com a lágrima caindo livre pelo rosto e os cabelos soltos ao vento, finalmente aceita a realidade de que está realmente só, com o filho para criar. Fortemente repreendida pelos pais, principalmente pela mãe, que a obriga a trabalhar para o sustento do seu filho, ela pede emprego justamente na taberna, como garçonete, na esperança de saber notícias do seu amado.
Só que, pouco tempo depois, quando o filho já com 5 ou 6 anos ( o filme dá uma pulada no tempo) acontece uma reviravolta na história e, ao contrário da música, ela aceita o convite de um velho marinheiro que está prestes a se aposentar e vai embora com ele, abandonando também a criança. Momento tenso do filme, onde não sabemos se a acusamos ou se lhe perdoamos o desejo de reconstruir sua vida, se levarmos em conta a cultura excludente daquela época que condenava à solidão perpétua as mulheres na sua situação. A cobiça incontida dos homens, na ávida expectativa que ela se torne disponível a eles, já que era garçonete na taberna, e as mulheres, com o escárnio advindo da inveja pela sua estupenda beleza e juventude.
Quando pensamos já adivinhar o final, eis que retorna o pai do garoto, com uma história convincente da razão da sua partida repentina. Emoção total no desespero, quando descobre que ela foi embora e ninguém sabe dizer para onde. Seu desejo é o de se jogar no mar, mas quando vê o seu filho brincando sozinho na areia, decide ficar com ele e o filme termina com a cena dos dois correndo de mãos dadas pela praia.
A história, apesar de triste e com passagens parecidas com outros enredos já vistos, conta com a mais linda fotografia de todos que já vi. Tomadas lindíssimas das paisagens daquela região. Até nas tempestades as imagens são primorosas. Além da beleza física de todos os atores, coisa rara em filmes que se propõem a retratar a vida de gente pobre e sofrida. Mérito para a maquiagem e a correta utilização da luz.
Destaque também para a trilha sonora, com clássicos da música italiana, como o Gesu Bambino, já citada, Gli Uomini non Cambiano, no final do primeiro dia de trabalho na taberna, e finalizando com Ammore Annasconnuto, já próximo ao final, tocada divinamente pelo avô do garoto, na cena em que o rapaz sai do mar e se deita exausto na areia, no momento em que reconhece no garotinho a sua razão de viver.
Enfim, um filme sem pretensão de grandes arrastões de público, mas satisfazendo plenamente aos amantes do cinema-arte. - Ah! Esqueci de dizer o nome do filme, não é? Pois é, ainda não decidi. Mas até eu ganhar sozinha na mega-sena terei tempo para pensar em um. Aceito sugestões.


Tem gente que sonha comprar aviões. Outros a filmar suas fantasias.

25/01/11

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

Neusa era menina moleca, naquele tempo onde nem se conhecia calça comprida. Vestidinho de cintura eternamente descosturada. Joelhos ralados de tombos e arranhões. Cabelos mal cortados, lavados na chuva. Pés descalços, no pó e lama. E lá ia, de biblioquê na mão, no carrinho de rolimã, pegar rabeira de caminhão. Boneca não. – Não tem graça. – Brincava de manhã à noite com Carlito, seu irmão, e Osvaldo, primo em segundo grau, que veio especialmente de Portugal pra ser seu saco de pancadas: - E dá-lhe no cocorôto!
Mas nem sempre era só surra. Havia olhos e olhares. Os dela azuis como o céu. Os dele enamorados. – Primo, não! É quase irmão, não pode. – E os três, alheios ao mundo, faziam do seu, aventuras tamanhas, dessas que se contar ninguém acredita.
Um dia o tempo, esse mesmo que leva tudo, levou pra longe os dias de criança. E quem foi criança cresceu. E quem cresceu namorou, noivou e casou. Cada um com seu caminho, cada um com sua história. Vieram os filhos e os filhos dos filhos. E quem tinha história ficou sozinho, porque o tempo também leva as histórias. Ele divorciado, ela viúva.
E não é que um dia, desses, que a Vida resolve brincar de faz-de-conta, os dois primos se reencontraram? Os olhinhos azuis dela brilharam, camuflados nos óculos de grau, e os dele, empapuçados de tempo, cerveja e cigarro também marejaram?
Soube dos dois, há poucos meses, aposentados, viajando por este Brasil afora.

24/01/11

ESTE QUE É AQUELE?

Ouço as vozes lindíssimas da Simone e Dulce Pontes cantando Sinal Fechado, do Paulinho da Viola, e imagino quantos nós de garganta e palpitações estancadas já ocorreram em situações semelhantes, na vida real.
- Olá, como vai? Tudo bem, eu vou indo e você? ... Me perdoe a pressa..
Ainda hoje no Recanto li numa frase que o ex é o único amor que dura para sempre. E não é que é?  O amor depois que acaba, quando não acaba, tem uma leitura diferente da que teria se verdadeiramente acabasse. Tem um quê de posse embargada. De jóia empenhorada, que ainda é nossa, mas à qual já não temos acesso. Quer dizer, imagino que assim o seja, pois nunca experimentei reencontro de amor mal acabado. No meu caso, todos eles são ex, no sentido mais específico do fenecimento. Todos morreram de velho. E o que não morreu, não é ex.
Um dia, faz tempo já, encontrei um antigo namorado, na fila de um banco. Ele não me viu e ajudei pra que não me visse. Não por temor de qualquer reavivamento, mas por não ter o que falar mesmo. Ele, de costas, a umas quatro ou cinco pessoas na minha frente, olhando pros lados, às vezes para o alto. – A mesma impaciência de sempre!
Nada como poder ver ex-amores pelas costas, literalmente falando. Metade do romantismo vai embora nessa posição. E muitos centímetros também. Será que os homens encolhem depois de um tempo? – Este que é aquele, por quem eu era perdidamente apaixonada? - Ainda bem que ele não me viu quando saiu do banco. Como diz o Chico: é sempre desconcertante rever um grande amor. Ainda mais se ele te pegar rindo sozinha.
24/01/11


2a. TAÇA DE OURO NA RODADA DE CRÔNICAS NO BLOG DO BVIW
COM O TEMA "ENCONTRO COM EX-AMORES"


UEBA!!!

AS MISÉRIAS HUMANAS

A empresa onde trabalho está angariando, aqui em Porto Velho, donativos para os brasileiros do Rio de Janeiro, que no momento estão privados não só, mas também, de bens materiais. Olhando aquele amontoado de coisas que iam chegando e sendo despejadas no chão: biscoitos, roupas novas e velhas, arroz, meias, bolsas, leite, muletas, feijão, fraldas, sapatos de todas as cores e tamanhos, como se fossem entulhos para reciclagem, num retrato que renderia teses de mestrado em semi-ótica, me pus a agradecer à Vida o privilégio de dar o que nunca precisei pedir. De nunca ter provado da miséria, mesmo que momentânea.
Coloquei-me no lugar da mulher que precisará entrar numa fila para receber os seus absorventes (ainda bem que há gente que pensa nisso, eu não tinha pensado), ou passando pelo constrangimento de avaliar o tamanho das calcinhas, a ver se lhe serve alguma.
Diante daquele quadro inusitado para todos nós que ali estávamos, ouvi observações das mais variadas: - Olha esta sandália arrebentada! Como alguém vai usar isso? – Ora! É só colar com superbonder!  - E esta botinha aqui, que linda! Novinha! Por que será que estão dando, se está nova ainda?
 E eu, imaginando que talvez a garotinha que receberá a botinha nova, antes da tragédia nem tivesse igual. Talvez ainda tivesse mãe, mas botinha nova não. Ou haverá divisão de castas na triagem? Torço pra que não.
Um abriu uma caixa de biscoito recheado, comeu um, fez cara de nojo e jogou o resto no lixo: – Deve estar vencido! - Outro se admirou da quantidade de comida: - nunca vi tanta fartura!
Outra, depois de muito escolher, sem qualquer pudor separou um tênis branco e novo, para levá-lo, no final do expediente. Talvez seja o presente de Natal que não deu ao filho ou marido.
Não só as riquezas são diferentes, como diz a canção. Também há muitos tipos de miséria.

22/01/11

O PODER DE CONCISÃO

Drummond disse que quando terminava de escrever seus livros, com cerca de 2000 páginas, começava o verdadeiro trabalho de escritor, que é o da lapidação, de modo a conservar deles só a essência. Não por acaso foi grande. É no poder da concisão que se revela o bom escritor.  Coisa que ando me esmerando ultimamente, mas até agora, sem sucesso. É que tenho pena de deixar palavras soltas em cima da mesa, feito sobra de massa que nem pode ser aproveitada no bolo e nem servirá para o próximo, porque as texturas já não serão as mesmas.
Lembrei do Drummond porque uma frase me veio à cabeça hoje, mas ao tentar discorrer sobre ela, percebi que jamais o conseguiria em linhas contadas, porque as lembranças são muito minhas ainda e o distanciamento necessário para expurgá-las demanda tempo. Deixei a frase de lado e resolvi divagar sobre a capacidade que tem o nosso cérebro de abrir instantaneamente arquivos gigantescos, zipados e criptografados. E enquanto uma parte se ocupa da descompactação do passado, outra o devolve traduzido ao momento presente, com um poder de síntese impressionante.  Uma palavra acessa o passado, outra o resume.
Com a mesma facilidade dos convívios íntimos, onde uma frase, ou gesto, ou piscadela se transformam em senhas que abrem arquivos compartilhados de imagens, dificilmente retratadas a estranhos com a mesma perfeição e rapidez.
Como ainda estou longe dessa concisão e se aproxima o meu limite de linhas, o jeito é interromper o texto e buscar formas de subdividir meus arquivos em outros mais leves.

A frase? – “Ah! Doce vingança! Não eram para você minhas poesias!”

22/01/11



O limite de 20 linhas é regra para postagens no blog do BVIW
Lá eu não pude dizer mas aqui quero acrescentar (porque tenha pena das sobras)
que Drummond completou sua frase dizendo que ele só publicava seus livros
para não ter que mexer mais neles. Para se livrar deles.

UM INCENSO QUE AFASTE FANTASMAS

Quando o amor acaba é assim. Só resta o nada. Só o peso morto do que poderia ter sido. Só o corpo  vago do que eu era quando lá estive e não me viste.
Se a ti faz falta culpado, que seja eu. Não me importa, ao contrário. Faz-me bem saber que sobrevivi a tudo o que me matava e eu não sabia. Tomo para mim a autoria deste fim, que de tão anunciado, nem nos brinda com a graça da surpresa.
Vai-te embora. Leva a certeza de que todos os pedaços do que sobrou disto, a que nem sei como chamar, são todos teus.
Eu fico com o que sempre foi meu. Meu amor tem outro nome. Meu amor não passa fome, não morre à míngua. Não quero cacos, nem estilhaços, nem falas perdidas. Que se enterrem contigo todos os bocados de quando te quis por inteiro. Não vestirei esse luto.
Da minha boca nenhuma palavra. Nem culto, nem tributo, nem lamento.
Talvez música suave, das que acalentam almas feridas. Talvez um hino que celebre a vida. Choro não. Vela não.  Um incenso que afaste fantasmas. E só.

15/01/11


TAÇA DE OURO NA RODADA DE CRÔNICAS DO BLOG
 http://letrasdobviw.blogspot.com/
COM O TEMA "NEM CHORO NEM VELA"

VALEU, GENTE!!

A EMPATIA

Queria muito contar uma coisa interessante que me aconteceu ontem, mas hoje li umas crônicas de uma mulher que contava trechos de sua infância, e a empatia por ela e sua escrita simples foi tão grande que a sua história não me sai da cabeça. Acabou, de certa forma, a fazer parte da minha.
Não sei se foi porque ela falava da infância na fazenda, da pobreza distante e feliz, de porcos e galinhas e essas coisas, ou se foi pelo café com bolinhos de chuva que a mãe fazia. Sei lá o que me ligou a ela e a suas lembranças. Eu nem cresci no campo, nunca gostei de galinhas, mas de repente, ao ler o que ela escreveu viajei também, num passado que nem foi meu. Acho que a empatia veio pelas lembranças em si. Por tempos que não voltam mais. Por termos, às vezes, de tomar espaço emprestado em outros órgãos, porque o coração já nem bate direito, de tantas lembranças acumuladas dentro dele. Nunca fui saudosista, mas a saudade desta vez bateu doída.
E de repente, me vi com saudade das galinhas da mãe da mulher. Pode isso? Da couve, almeirão, coentro do fundo do quintal. Meu Deus! Eu odeio coentro! Mas aquele coentro parecia que nem gosto de agh! coentro tinha, tamanha a emoção com que ela se lembrava de tudo isso. Acho que é porque eu também tenho café com bolinhos de chuva na minha memória afetiva. Também tenho couve e almeirão que andam precisando pular para o teclado. Pensando bem, acho que só não tenho as galinhas, o resto sim, daí a empatia.
É estranho como a empatia vem em primeiro, depois é que a gente, escarafunchando é que vai encontrar as razões.  E quer empatia melhor que as saudades compartilhadas?

10/01/11

A PREGUIÇA DE DORMIR

Numa outra crônica o Nuno (vou chamá-lo assim, porque NuNuNo é gago mas eu não sou )me lembrou de falar sobre a preguiça de dormir. E é verdade, falha minha. Eu durmo pouco, não por insônia, mas pela preguiça de ir dormir mesmo. Dormir é se resignar com o dia que foi pouco. É se entregar à morte sem luta. É permitir que alguém fale sem poder lhe interromper.
Sabe aquele pedacinho do inconsciente que registra todas as imagens e todos os sons? Seja de gente real ou de algum filme antigo, ou um texto que alguém dentro de nós lê, ou das coisas inúteis que a gente ouve de estranhos na rua. Todas as informações acumuladas que são jogadas pra dentro da nossa cabeça? O sono só chega  quando a gente acessa uma determinada  área do cérebro e a partir daí ele convoca a arrumadeira, que vai guardar cada coisa na sua gavetinha, ver o que presta e o que pode jogar fora. Então ele nos põe pra dormir para o consciente não ficar atrapalhando. Acontece que para acessar essa área é preciso ficar quieto, pô! Porque é o movimento abobalhado do globo ocular que busca o caminho.
Para quem não registra lá tanta coisa assim, o sono vem fácil porque já ta tudo arrumadinho. Sabe essas pessoas que dormem com as galinhas e acordam bem cedinho? D i s p o s t a s ? Então.  J a m a i s  serei  assim. A quantidade de informações que entram depende da porta de entrada abrir ou fechar, mas no coitado do DDA nem porta tem, quanto mais tranca. E vai entrando, vai entrando coisa. Não tem mais espaço nas gavetas, mas vai entrando. E vão sendo jogadas pelo chão mesmo. Aí, na hora da faxina, é claro que são necessárias umas 10 horas pra arrumar aquilo tudo.
 A culpada disso tudo é a bendita curiosidade! Quem me manda achar tudo interessante!
O meu crescimento intelectual é parecido com gosma de lesma. Eu não passei de uma fase para outra, como seria o padrão humano. Em mim só acrescentam fases. Para chegar a adolescente não morreu a criança. Para chegar a adulta, as outras não morreram. O envelhecimento não matou nenhuma delas. Vai chegando gente dentro de mim e vai se instalando. De modo que tudo o que vejo, ouço, cheiro, sinto, vai interessar a alguma de mim. A mesma capacidade que tenho de entender os meandros da política internacional, também tenho para continuar a fazer caretas na frente do espelho. Então, como pôr esse povo todo pra dormir no mesmo espaço? A velha até que quer dormir, porque ela cansa, coitada! A adulta até que entende que tem de dormir pra levantar cedo pro trabalho no dia seguinte. Mas e se a adolescente quer continuar encasquetada com aquela frase que não disse? Ou se a criança quer continuar brincando? (E olha uma coisa muito séria que vou dizer agora: de todas que somos, a mais violentada é justamente ela).
Mas já foi pior. Hoje aprimoro uma técnica que aprendi sozinha (acho que foi a criança que descobriu), para minimizar a dor do tédio desses instantes de mim . Descobri por acaso que se eu olhasse bem à esquerda do olho esquerdo, com os olhos fechados, no escuro, acessava imediatamente essa área voyeur do meu cérebro. E assim, dou uma forcinha pro olho bobo que nunca lembra o caminho. Vou direto ao ponto. Corto caminho. Eu acho que foi a criança que descobriu porque, já que ela tem que ficar quieta, na marra, pelo menos fica ouvindo a conversa dos outros, enquanto a arrumadeira trabalha.  E empacoto, imediatamente.

Só não descobri ainda uma maneira de IR pra cama. 

P.S – O NuNuNo não é gago. Foi só uma brincadeira infame.

O ALGODÃO-DOCE

Essa é antiga, mas já que falei dos cocolates e das cerejas...


Passando pelos canais da Tv procurando alguma coisa de útil pra assistir, de repente, vi a cena de uma moça comendo algodão-doce e boom! Lá vem a Licinha de novo!
A Licinha, amante mais de algodão-doce que de riquezas.
Como o algodão-doce que se sabe bem o gosto que tem, quando dele se gosta, consegue deixar um amargo na boca!
Eu quero porque quero, mas ele não vem. E que vontade de chorar e espernear como fazem as crianças, quando não entendem porque viram e não tiveram, no momento em que viram!
Haverá um dia em que todos os desejos, pelo menos os comíveis, virão a um toque de botão.
Pena eu não ainda daquela geração.
E como continuar vivendo agora, sabendo que nem volta mais o algodão e nem alcanço ainda o toque do botão?

18.06.10

TRISTEZAS E ALEGRIAS

Sou alegre e sou triste
Porque alegrias e tristezas acontecem
E sou capaz de senti-las

Por elas sou quem sou.

Ainda não vivi tudo, apesar de umas
Ainda não morri toda, apesar de outras.


05.11.10

AS CEREJAS

Estou bem no meio de um capítulo do meu tão protelado romance, (que agora resolvi que vai), e de repente me bate um desejo incontrolável de comer cerejas. Acontece que são onze horas da noite e não fui ao supermercado hoje. - Não tem cerejas em casa! – repito-me, com aquele tom de para-de-me-lembrar-disso e ao mesmo tempo de porque-você-deixou-acabar-as-cerejas? Só que já é a terceira vez que as benditas cerejas atrapalham o meu texto, que agora resolvi falar delas.
Eu como cerejas, compulsivamente, há pouco mais de um mês. Antes disso, durante toda a minha vida, nunca tive a curiosidade de sequer saber o gosto que tinha uma. Curiosidade tinha, a bem da verdade, porque há uma promessa de três cerejas ainda não cumprida e que vou cobrar, qualquer dia desses. Mas comer, no sentido gustativo da palavra, nunca tive. Aí, de repente, um dia resolvi comprar um vidrinho delas, em conserva. Comprei mais pelo vidrinho, que achei lindinho. Comi uma e tinha gosto de xarope infantil. Me lembrou qualquer coisa prazerosa de infância e gostei. Pela lembrança prazerosa de infância. Comi outra, e outra, e outra. Comi o conteúdo do vidro, pronto. Na ida seguinte ao supermercado e em todas as outras, o vidro de cerejas passou a fazer parte do pacote básico essencial, juntamente com o pão, leite, sabão, e outras poucas coisas.
É impressionante como certas coisas, assim como certas pessoas, passam a fazer parte dos nossos desejos incontroláveis, assim, de uma hora pra outra, e com tanta força que chega a doer na boca do estômago mental.
Pode, alguém morrendo de paixão e desejo por uma cereja?
Ai, que saudade de ontem, quando comi as últimas, sem saber que hoje não mais as teria!


05/01/11

A CAIXA DE CHOCOLATES

Ao abrir a minha caixa de bombons do dia procurei, como sempre, o meu Caribe, que é o primeiro que eu como. Para isso tenho que ir tirando todos os Seranata de Amor, para desocupar espaço.
Aí, de repente, resolvi  uma questão mal explicada, lá atrás no meu passado.
Quando a caixa é pequena e você procura uma coisa específica dentro dela, você vai descartando as maiores. Não sei o que ele procura até hoje, mas eu com certeza encontrei uma caixa maior, que me coube perfeitamente.
É por isso que dizem que o chocolate nos dá prazer. É porque resgata-nos a auto-estima.

MEUS PLANOS PARA 2011

- Escalar o Everest para, lá de cima, saltar de bungee jump, em memória das minhas asas perdidas.
-  Marcar um encontro com Buddy Guy em Luisiana para tocarmos juntos uns blues.
- Percorrer o maldito caminho de Santiago na última tentativa de parar de fumar.
- Compor uma música em italiano para dar de presente à  Dolcenera.
- Tomar o chá do Santo Daime às 5 em ponto com os bolinhos de chuva da D. Nenê.
- Fazer o cruzeiro pelo rio Danúbio que não pude ir no ano passado.
- Ir à Nova Zelândia pedir a Lucy Lowless que volte a ser morena e ressuscite a Xena.
- Promover um seminário com o Dr. House aqui em Rondônia que tá meio precisado.
- Buscar um pouquinho das geleiras azuis da Patagônia para guardar no meu baú.
- E lá pelo final do ano, se sobrar um tempinho, terminar de escrever o meu livro.

01/01/11

DO JEITO QUE EU SEI LER

Numa outra crônica falei a respeito de gente gostar de determinadas músicas e outras não.
O mesmo acontece com as coisas que a gente lê. Dependendo do texto, a gente gosta ou não, sem se dar conta das razões. Bate ou não bate, e pronto.
Um dia desses, num outro site onde posto alguns poemas, recebi críticas não muito agradáveis sobre dois deles. O “entendido” comentou que havia rima demais e que ao me preocupar tanto com elas, não dei a profundidade necessária ao conteúdo. Então, ta. Agradeci publicamente a opinião e lamentei intimamente. Por ele. Antes que pensem que eu me considere lá muito inteligente, quero que saibam que tenho auto-crítica ferrenha. Sou perfeccionista ao extremo. Quando chego a postar um texto é porque é exatamente aquilo que eu quero dizer. Quando não haja nada, mas nada mesmo, a tirar ou acrescentar. E inclusive aconselho que assim seja se pretenderem que eu leia. Cada um tem as suas preferências ou rejeições, porque cada escritor procura  alguém que o saiba ler e cada leitor procura o autor que saiba lhe dizer o que ele sabe ler. Por exemplo, não há coisa que mais me irrite em textos alheios que erros de concordância ou de digitação. Não que eu não cometa os meus (só Deus sabe o quanto o Word me ajuda) mas pelo menos tento. Não costumo criticar esses  erros diretamente ao escritor, só passo para outro. Quando alguém me diz que “ a Lua me sorriu tristemente” penso comigo: desde quando a Lua sorri? E ainda mais tristemente, pelo amor de Deus! Próximo. E outro (geralmente mulher): “Eu te amo, meu amor, não sei viver sem você e blá, blá, bla”. Este também me perdeu, porque não foi pra mim que ele escreveu.
Nem sempre foi assim. Antigamente qualquer crítica era suficiente para eu enfiar o meu rabinho literário entre as pernas. Um dia, há não muito tempo, encontrei uma pessoa que  mudou para sempre a minha auto-estima e que agora quero compartilhar o conselho. Disse o meu hoje amigo: “Não se deixe abater por quem não gosta do que você escreve. Eles apenas não estão preparados para você. O que escrevemos são sementes jogadas ao vento. O que você não pode é guardar só pra você porque pode perder a oportunidade de encontrar quem goste.”
Há poucos minutos, ao comentar uns textos do Luiz Ernani, là do Recanto, eu lhe disse que gostei do que ele escreve, porque ele escreve do jeito que eu sei ler. Este, assim como o Francis, o Hudson, a Marília, o Edbar  e vários outros, me ganhou. É gratificante quando autor e leitor falam a mesma língua. Sabe Deus quem lerá e de que modo lerá o que acabo de escrever!
31/12/10

AMMORE ANNASCONNUTO

Um dia desses, enquanto trabalhava, ouvindo Ammore Annasconnuto, na voz de Celine Dion, entrou em minha sala uma colega de trabalho para discutirmos uma situação qualquer. Enquanto resolvíamos a questão ela fez o seguinte comentário:
- Nossa! Essa música me dá um sono!

De repente, um punhado de urgências tomou conta de mim. Uma urgência incontrolável de terminar logo o que a trouxera a minha sala, para não ter mais que sequer ouvir a sua voz. Uma urgência imperativa de escrever sobre as diferenças entre os seres humanos, do porquê uma música que faz tão bem a umas pessoas dá sono físico em outras. Uma urgência de acabar o expediente para ouvir as músicas que gosto sem ter que reparti-las com ouvidos profanos. Uma urgência de acabar de vez a minha própria existência compartilhada, à minha revelia, com sonolentos de Ammore Annasconnuto.

Às vezes penso que tenho sorte por encontrar patrões que entendem a minha necessidade de dar vida interior a uma de mim enquanto a outra lhes fornece o trabalho para o qual me remuneram. São inteligentes, graças a Deus. Nada como dar as ferramentas certas para cada trabalhador. Uma de mim, a que vive enquanto ouve música, libera a outra para as tarefas cotidianas. A outra, a que racionaliza, agradece à música, como a mãe agradece à babá que cuida de seu filho para que ela possa trabalhar despreocupada. A boa música me concentra , me põe atenta. Sono eu tenho quando a mente se exaure na tentativa de se manter boiando no raso das coisas.  

Às vezes penso que nasci azarada por não ser sonolenta, como a maioria dos assalariados. Quando me ponho a observar os de mente inerte me dá certa inveja. Por que só não me levantar cedo, cumprir jornadas enfadonhas, e dormir com as galinhas? Uma televisãozinha aqui, um forrozinho ali. Por que não só sacudir o corpo e o cérebro com os ai, ai, ais e os tá, tá, tás?  Por que não? Se isso basta a quem morrerá, de qualquer maneira, como eu morrerei um dia? Por que fui nascer da fornada dos que buscam outras freqüências? Por que o caminho até ao meu labirinto é tão sinuoso e nele só chegam, sem dor, as ondas sonoras esquiadoras?

Talvez sorte, talvez azar. Com o dom ou a maldição de perceber nuances.  A única certeza que tenho é a de pertencer à classe dos que perpetuam belezas.


30/12/10

POEMINHO MONOSSILÁBICO

                Na vez em que na tua tez
                         pus a mão
                    Sem crer, vi o céu
                     Qual luz no breu
                         vi a paz.

                          E o que fui
                        os véus, o céu
                        os ais, os nãos
                         os nós, o pó
                          já não sou.

                          E o teu sim
             que faz de mim o que quer
                         pôs fim à dor
               me deu chão, me fez rei
                         me fez teu.

E A MAÇÃ TORNOU-SE ESTRUME

 No início a brincadeira
de quem não entendia direito
a nova chama que ardia..

O brilho do vaga-lume

Na rudeza da cegueira
Desabrochou o despeito
E viu lama que não havia

Travestido de ciúme

E a inocência virou sujeira
aos olhos do preconceito
Quebrou-se o encanto. Fim da magia.

E a maçã tornou-se estrume.

HOJE NÃO

Juro por Deus que eu te queria
Fazer um poema de amor
Mas, à minha revelia,
O coração, miúdo e mudo,
Decidiu que hoje não...

Amanheceu carrancudo
Não quer riso, não quer sonho,
Não quer volta nem milagre
Só quer saudade sofrida
Do que foi realidade.

Perda por demais doída
Faz dessas coisas com a gente
Põe medo, tira a esperança
Tranca portas, pede um tempo
Vela em silêncio o fim de “um dia”

Juro por Deus que eu te queria
Aqui comigo pra sempre
Dizer o que nunca te disse
(E hoje até que eu diria)
Mas meu coração, de repente,
Resolveu que hoje não.

REBELDIAS

E se a eleita fosse a correnteza?
A que tudo leva, tudo arrasta?
- Ah! A fúria da natureza!

E se o eleito fosse o tufão?
ou o dilúvio, sismo, vulcão?
- Ah! As paixões da natureza!

E um homem não pode amar outro homem.

- Ah! As rebeldias da natureza!

NUNCA MAIS

Entendi que sem você
é possível seguir vivendo
Mas quanto de mim perdi!

Quanto de minha amargura
seria riso
Quanto siso hoje em dia!

Quanta dor não ser quem fui
Quanta pena não sermos nós!

RELÍQUIA

Trago dentro do meu peito
um amor já amarrotado
tantas vezes desdobrado
 na intenção de ser feliz.

É que o destino não quis
que este amor tivesse jeito.


Então, até por respeito,
Por medo que se destrua
e nem mais isso eu possua,
hoje o conservo guardado.

Melhor mantê-lo intocado
A arriscar vê-lo desfeito.

QUALQUER DIAS DESSES

 Qualquer dia desses, distinta nobreza,
entre duas e meia e cinco - certeza -
eu sei que morro !
É a hora do pico, do meu desespero !
Fique este mundo com o meu enterro,
na voz do povo:

-  Nossa...! Tão nova !
-  Quem diria, né? E nem parecia !
-  Será que ela sabia? ou nem pensava que iria?
-  Pobre, certamente... que magreza !

Qualquer dia desses, distinta nobreza,
entre duas e meia e cinco - com certeza -
Eu sei que morro !
É a hora do pico, neste sanatório
Fique este mundo com o meu velório,
na voz do povo:

-  Nossa...! Tão nova !
- Que ironia ! Justo nesse dia !
-  Que terá sido ? Problemas com o marido?
-  Tédio, somente?... que pobreza !


-   Nossa... ! Tão nova !...

SENHORA

Se eu te encontrasse por acaso
sem mostrar minha saudade
quem sabe fingisse amizade
quem sabe fingisse um descaso

Contudo, se eu te procuro um dia
me denuncio
e me expondo, renuncio
à paz
que essa distância traz
à minha covardia.

Marcou de uma forma tão doída
que eu tenho medo agora de uma recaída
e assim recomeçar a dor
do amor da minha vida.

SÓ AS FÊMEAS ABORTAM

Sem pecado, sem empecilho,
nas surdinas nauseantes,
quando a mãe mata seu filho
o pai já o matou antes:

- Vai, cadela! Cria as crias
que o teu cão tem de partir
meu destino é a orgia
tua sina é o parir.

- Fecha as pernas, vagabunda.
não mereces o prazer
És feita da coisa imunda
se não for pra conceber.

- Feminina é a sociedade
Cuide então dos meus meninos
Viva a Santa Impunidade
dos pecados masculinos.

- Vai, sua tonta, paga o preço
cuida da tua moral
que eu já tô correndo o trecho
"Lavou, tá novo", e coisa e tal...

TENHO SAUDADE

Tenho saudade do tempo
Das fotografias em preto e branco
Do preto no branco
Pão-pão, queijo-queijo
Tenho saudade do beijo
Que ainda não era tingido
De sangue, suor e mentira.

Tenho saudade do tempo
Em que eu ainda não sabia
Que ia ficar no tempo
A minha fotografia.

A quem já foi, um dia,
Feliz
Dia da Criança.

12/10/10

OS MURAIS DO FUTURO

Na maternidade onde tive o prazer de conhecer, no último sábado, a minha netinha Rafaela há, nas paredes uns três ou quatro murais de fotografias de crianças nascidas naquele local.
Como o papel de avó, nessas ocasiões, é somente o de coadjuvante angustiada tive tempo suficiente para admirar todos aqueles seres fofinhos, com comentários mentais, tipo: “Ai, que coisinha linda essa aqui!”, ou: “E este, então, que tchutchuquinho! “ 
Alguns portam trajes especiais para fotos de estúdio, outros com a pompa das formaturas do prezinho, ou do balé, ou do kung Fu, mas a maioria é mesmo a dos bebês in natura, peladinhos, com seus fartos sorrisos gengivais, na mais autêntica representação humana da Esperança.
Uma dessas crianças me chamou a atenção pelo vestidinho de estilo sóbrio, de cor escura e gola branca de babado, cabelos médios levemente ondulados e bem penteados, sentadinha com as mãos sobre o colo, com ares de quem já se vê (ou de quem já a vê) portadora de grande intelecto. – Eis aí, talvez, uma futura brilhante literata – pensei comigo.
No instante seguinte, meu olhar já recomeçava a percorrer os peladinhos, já os imaginando adultos, em suas respectivas aptidões.
Como há umas 150 crianças em cada um daqueles murais, estatisticamente algumas delas serão profissionais bem sucedidas:- Qual destes bebês será o meu geriatra?  Qual será o campeão de qual esporte? Qual o ídolo da minha netinha que acabou de nascer? (Ou qual será o seu maior fã?) Qual destes, o grande cientista rondoniense a nos encher de orgulho?
- Qual destes sairá do Brasil à procura de melhores oportunidades? Qual terá as melhores oportunidades? Quais os que ficarão pelo caminho no sonho do sucesso?

(Parênteses nesses “quais” para revelar que na cabeça de toda avó surgem às vezes nuvens negras, sobretudo nas que acreditam em estatísticas).

- Qual destes frágeis passarinhos não chegará a voar? Qual morrerá ainda criança, de vírus, acidentes ou balas perdidas? Qual será abandonado, espancado, estuprado?
-Qual será o assassino? – Meu Deus! Qual destes bebês à minha frente, estatisticamente, será um assassino?  São todos iguais, todos peladinhos, de sorrisos gengivais! Onde estaremos nós, quando este, que nem sei qual, crescerá e matará? Ou matará, antes de crescer. Onde estamos nós enquanto ainda são iguais, nos murais de uma maternidade?

(Parênteses novamente nestes “quais” para dizer que toda avó deixa qualquer outro pensamento quando ouve lá do quarto, um chorinho de bebê, sobretudo quando o bebê for a sua netinha querida).

- Em qual cantinho deste mural será colocada a foto da Rafaela?


14/11/2010

A CULPA É DA DILMA

- Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. – diz o ditado. E não meti a minha, embora tenha me coçado de vontade. 
Todo processo de separação é lento e sofrido, como sabemos. As brigas vão se tornando constantes e à medida que se vislumbra o final da relação, os motivos ou pretextos que geram novas discussões tomam proporções cada vez abismais, mesmo que aos olhos dos de fora cheguem a ser ridículos. O casal sentado à minha frente no ônibus, estava visivelmente nesta fase terminal. A fase de atribuir aos outros a responsabilidade das causas e conseqüências do que está prestes a acontecer.
Em certos momentos cheguei a sentir pena de um e de outro, mas, sobretudo do marido, que não conseguia entender porque sua esposa lhe pedia uma prova de amor tão acima de suas forças. Segundo sua lógica de raciocínio essa balela de igualdade de direitos da mulher nada mais é que uma tentativa dessas mal-amadas de desestruturarem as famílias. Chegaram a eleger uma delas para dirigir o país. - Veja se pode uma coisa dessas. Agora sim, é que a coisa vai, ladeira abaixo. - Todas as mulheres, até a sua, querendo mandar nos homens. Agora, a outra lá no poder, dizendo que elas podem! Podem o quê, meu Deus? Fazer asneiras? – Má influência, isto sim! –
Estava já cansado de lhe fazer concessões e disposto mesmo a abrir mão do seu casamento para preservar os verdadeiros valores de um homem.
Tudo bem que ela trabalha sentada e no ar condicionado e ele não, afinal, as mulheres são mais fracas mesmo. Não agüentam trabalho duro.  Para isso foram criados trabalhos mais fáceis para elas.
Tudo bem que ela ganha mais do que ele. Foi difícil, mas como nunca se tocou nesse assunto, um dia acabaria esquecendo. - A gente tem que perdoar certas coisas pra viver em paz. -
Tudo bem que o salário da empregada é ela quem paga, e o colégio das crianças, e o supermercado. Mas pensa que não dói ter que sacar o talão de cheques de conta-conjunta para pagar as contas? Ou quando não, ter que pedir-lhe o dinheiro antes de sair de casa, para que os outros não a vejam pagando as compras? E tudo isso ele suporta. Por amor!
Tudo bem ter que comer da comida que ela resolve fazer, quando chegam em casa, e não a que ele gostaria de comer. Tudo bem ter que usar a camisa que ela decidiu passar na noite anterior e não aquela sua preferida. O homem tem que deixar a sua mulher decidir as coisas dentro de casa. Por uma questão de respeito até!
Mas agora ela passou dos limites: Propor que ele ocupe uma vaga na empresa onde ela trabalha e pretender que ele aceite? Ficou louca? Perdeu a razão ou o quê? Com que cara vai falar para os amigos que trabalha no mesmo setor que a sua mulher e ainda por cima é subordinado a ela?
E se ele tiver que socar a cara de alguém para lhe defender, quando uma ordem estapafúrdia causar risos? Porque, certamente há muitas, é que ele não vê e ela não lhe conta, mas estando presente é outra coisa. Vai ter que tomar uma providência!
E depois, tem outra coisa que ela não está percebendo, porque é ingênua: a empresa onde ela trabalha pertence a uma mulher! Se os dois trabalharem na mesma empresa, quando a empresa falir, e é só uma questão de tempo, porque mulher não tem tino pra negócios, os dois perderão os empregos de uma só vez. Por enquanto ele a deixa trabalhar, para lhe fazer as vontades. E quando ela perder o emprego, as coisas só voltarão a ser como eram. Aliás, ele tem sérias dúvidas se antes não era melhor.
- Lembra, Bem? Quando você não fazia nada e só cuidava da casa e das crianças?´-
Agora, pretender que ele se sujeite a essa ideia insana de ser humilhado, publicamente, pela sua mulher, de jeito nenhum! Prefere procurar outra que saiba valorizar a paciência de um homem. Até o amor tem limites.

07/11/2010

BRINCANDO DE SUPER-PODERES

Há pessoas que não nascem para se encaixar nas relações sociais convencionais. Eu sou uma delas, desde a infância.
Quando era pequena e brincava de super-heróis com os meus irmãos, o meu super-poder  preferido era o de voar. Era uma delícia! Abria os braços e corria ziguezagueando e, na minha imaginação de criança, voava de verdade. O meu irmão era o imortal: nada o atingia. Matava de ódio a minha irmã que, mesmo sendo uma titã e atirando-lhe pesadas colunas, nunca o derrotava. A resposta era sempre a mesma:  -  “Eu não morro, sou de aço!” -  E eu, voando, ao passar de vez em quando por eles, pensava comigo: -Quando ela vai perceber que nessa brincadeira só ele ganha? - Todo dia é a mesma coisa. -  Me consternava por ela  Eu sim, me divertia. Levei décadas para entender que ela não se importava realmente com o seu posto de  eterna derrotada, caso contrário, não aceitaria aquela situação.  Os dois se divertiam, no final das contas. Também levei anos para entender que só os dois brincavam entre si. Eu não participava efetivamente da brincadeira. Para eles eu era a doidinha que fingia voar. O meu poder não cabia na estória.

E assim cresci, voando sozinha, aprendendo coisas de mim e do mundo.
Com o passar dos anos, substituí as asas imaginárias pela imaginação alada. Minha cabeça é um universo e só quem é como eu pode entender que sou feliz assim.

 De todos os super-poderes com os quais já me imaginei, o único que ainda lamento de verdade não possuir é o de ler o pensamento alheio. Não para bisbilhotar, porque quem voa não se importa com essas coisas, mas para economizar tempo. Seria tão mais fácil se pudéssemos conversar com as pessoas, sabendo o que elas realmente pensam e querem de nós! E nessa grande brincadeira que é o mundo real, quantos amigos verdadeiros teríamos, eliminado mal-entendidos, e quantas mágoas desnecessárias de traições descobertas!
Que grande triagem nas relações amorosas! Quantos abandonos e desenganos seriam evitados! Quanto sexo de prazeres unilaterais interrompidos a tempo de não simular!
Quantos feedbacks autênticos teriam as relações profissionais! Quanta energia gasta nos engalfinhamentos e escaladas tortuosas pelos corredores seria melhor canalizada!
Quantas lições ridículas de moral perderiam plateias!
Quanto preconceito abolido, quanta santidade desmascarada!
Quanta guerra mais sincera!

Há certos poderes que talvez não trouxessem prazer a quem os tivesse. Acho que bem poucos teriam estrutura emocional para conviver com o corpo feio da verdade nua. Melhor continuar voando.
Tranqüilize-se, ainda não endoideci. Só estou brincando de super-poderes. De certa maneira, entendo que o mundo seria morno demais se ninguém pudesse enganar ninguém. Cadê a aventura, ao se levantar de manhã e tentar adivinhar quem, hoje, vai te mentir ou dizer a verdade?

23/10/10 

ALICE, NÃO COMPLIQUE!

Há alguns anos ouvi este conselho de um colega de trabalho e nunca mais o esqueci. Não lhe captei o verdadeiro significado, à época, e tampouco o segui, mas não esqueço uma boa frase, mesmo que venha em tom de crítica. E essa, inclusive, rimou.
Em questões de trabalho, como foi o caso, infelizmente eu tinha e tenho até hoje, a maldita mania de querer entender a raiz dos entraves diários dos serviços burocráticos e ao chegar à veia, quase sempre acaba o sangue por espirrar em mim. Daí o conceito de complicada e daí o conselho do meu colega.
Mas, digo que não lhe captei o verdadeiro significado porque, como esta frase ficou gravada no meu inconsciente, acabou se amplificando e se tornando mais útil na minha vida pessoal, Pena que muito tempo depois. Quantos anos levamos para entender coisas tão simples na nossa vida! Conselhos como esse, deveriam fazer parte do currículo pré-escolar:

- “Crianças, quando crescerem, não compliquem. No trabalho, cuidem somente das suas tarefas, quaisquer que sejam. Não se intrometam nas tarefas dos seus colegas, apenas cuidem para que as suas sejam tão bem feitas que eles também possam ser felizes. Se quiserem realmente ser verdadeiros cristãos, não se preocupem com vertentes, correntes, patentes ou gerentes. Nem com os 10 mandamentos se preocupem. Aprendam o segundo e sejam felizes. O resto é redundância. Se vocês quiserem realmente fazer algo de relevante para a sociedade, não se preocupem com ela. Sejam felizes vocês. O exemplo corta caminho. Pouco adiantará se consumirem pelas mazelas do mundo se vocês não forem felizes. A felicidade atrai mais que os conselhos mais sábios. Ninguém gosta de estar ao lado de gente resmungona, mesmo coberta de razão.”

Se eu tivesse aprendido esta lição na minha infância, talvez nem tivesse contaminado meu sangue latino com tantas doses de Kafkas on the rocks e Saramagos sabor amargo.

Já comprei muita briga por gente que nem conhecia (e nem reconhecia) baseada no que achava ser minha maior virtude, a completa falta de egoísmo, como se fosse ele o pior dos defeitos. Devo ter conseguido conscientizar, em décadas, talvez uma meia dúzia de pessoas a não pensar tanto em si mesma, a não buscar seu próprio prazer se esquecendo que somos todos irmãos e que não pode haver felicidade completa enquanto alguém passa fome em algum lugar do mundo. Gritei, falei, esbravejei durante um tempo precioso da minha vida. Quase todo ele, pra falar a verdade. E quer saber? Não fui feliz, e o mundo, após a minha interferência, continuou intacto. Mas, pior que a derrota das minhas batalhas pessoais, foi a constatação de que fui samurai vencido do rei errado.

 Hoje vejo que os verdadeiros egoístas é que movem o mundo. Pena serem tão poucos. Como querem o melhor para si, não se contentam com pouco de nada. Não se contentam com pouca felicidade, com pouco dinheiro, com pouca beleza pra admirar, com pouca cultura, com carros velhos, com casas feias. Os egoístas genuínos não toleram a ideia de estarem ladeados por gente pobre, suja, desdentada, ignorante.  Não se contentam em morar em qualquer bairro, com ruas sujas e esburacadas, com cidades mal iluminadas, estados inexpressivos, países subdesenvolvidos, porque afinal isso tudo é deles e o que eles querem é ser felizes.

A lição que não aprendi a tempo é a que deixo:
Crianças, a vida é curta (e não há aí mera retórica, podem acreditar). Não sofram, além da poesia, pela humanidade. Aprendam a ser felizes e depois ensinem a quem queira. Mas somente a quem queira. Não compliquem.

20/10/10
                                                                        (para o meu amigo Thalisson)