domingo, 30 de janeiro de 2011

AS ABELHAS

Aos treze anos de idade um acontecimento traumático me fez conhecer o ser humano na sua face mais perversa:
Estava na casa da minha irmã Adelina quando ela e o marido resolveram acabar com um enxame de abelhas que os vivia infernizando todas as noites, atraídas pela luz.
Resumindo muito porque o mais importante nem é o enxame: - a ideia era tapar a entrada da colméia com um chumaço de algodão enrolado num espeto de churrasco. Ocorre que o chumaço caiu no momento exato e entrou só o espeto..
Conclusão: as abelhas saíram como uma revoada enraivecida na direção adivinhe de quem? Da coitada da Licinha, que estava lá longe, no portão, alheia a tudo, segurando a sobrinha no colo.
O que houve a seguir demorou uma eternidade para quem sentia todas as ferroadas de um enxame inteiro na cabeça.
As abelhas na frente, a Adelina e o marido correndo atrás... a criança sendo tirada ilesa dos meus braços e jogada janela adentro... e todos, absolutamente todos os vizinhos fechando portas e janelas.
Uma dessas vizinhas era uma tia velha portuguesa e foi pra lá que corremos. Ela tentou, com a porta entreaberta, espantar as abelhas com um inseticida, mas não havia inseticida no frasco e a porta foi fechada.
Outra velha portuguesa surgiu do outro lado da rua, tentando ajudar, mas tudo o que conseguiu foi ser solidária na minha agonia. E gritava num sotaque carregado:
_ Ai, Jesus! Ai, Jesus! – Sacudindo a saia para espantar as intrusas.
Não me esqueço deste detalhe, porque cheguei a ouvir risos e comentários vindos de dentro das casas. (Havia um boato que as velhas portuguesas não usavam calcinhas, daí a esperança de todos que a saia fosse levantada um pouco mais.)
A velha portuguesa, não a tia, e a Adelina foram as únicas que tentaram me ajudar, o que lhes custaram várias ferroadas. O cunhado não o vi perto de mim, mas descobri depois que foi dele a ideia de me despejarem uma garrafa de pinga. Não surtindo efeito, juntaram uns gravetos e atearam fogo (olha o perigo). Não sei se pela fumaça ou por não haver mais ferrões disponíveis, as feras me deixaram em paz.
Pouco a pouco todos, absolutamente todos os vizinhos vieram pra perto de mim, avaliar o estrago. Quando me vi no espelho da farmácia, pra onde me levaram com o cabelo estilo Black Power (tamanho o emaranhado), e o rosto já todo embexigado, foi como se estivesse assistindo a um filme de terror.
Daquele dia em diante e até hoje, sempre que conheço uma pessoa, qualquer pessoa, é inevitável a pergunta que me faço: - Qual seria a reação dela se eu fosse atacada neste momento por um enxame de abelhas? –
Tomei um profundo desprezo por gente curiosa, dessas que se interessam pelas mazelas alheias. Das que cuidam da vida dos outros, pelas frestas. Das que riem das portuguesas velhas sem calcinhas, das que não se expõem a ferroadas pra salvar um amigo.

12/08/10

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