sábado, 9 de abril de 2011

A MÚSICA - II

Com a mão esquerda ao volante e a direita a atirar os discos antigos de vinil pela janela do caminhão. Assim ia ele, folgazão, pelas ruas da cidade, até a sua nova morada.
Com os olhos marejados de lágrimas, no assento do carona, a carregar espelhos e demais fragilidades, ia ela, parte integrante da mobília.
O asfalto, enriquecido de música, a soltar faíscas.

Certas pessoas quando querem, e mesmo quando nem percebem, causam mágoas profundas em outras. E ele, nesse dia, serviu-se de Nora Ney para marcar-lhe uma. Indelével.

Perder a casa própria e sujeitar-se novamente aos aluguéis, por amor ao marido, nunca foi coisa rara, infelizmente, para muitas mulheres. E ela, subordinada, por força das circunstâncias, aceitava a sua nova condição sem reclamar. Mas perder sua companheira de noites solitárias, ainda mais de maneira tão jocosa, foi dor indescritível.

E a grande ironia é que de todas as canções daqueles discos, cruelmente destruídos, a mais preciosa, a que dali em diante seria ouvida somente com os ouvidos de lembrar, era justamente a que ela cantava para velar o sono do seu amado:


 “Ó vento, não faz barulho
Porque ele está dormindo
Ó mar, não bata com força
Porque ele está dormindo.

Dorme, menino grande
Que eu estou perto de ti
Sonha o que bem quiseres,
Que eu não sairei daqui...”




Música: MENINO GRANDE
Compositor: ANTONIO MARIA (segundo o youtube)
Gravação: NORA NEY



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